Grupos se aproximam do pré-candidato da extrema-direita
POR CLEIDE CARVALHO E JOÃO SORIMA NETO
A empresária Letícia Catelani diz não se sentir ofendida por declarações machistas de Bolsonaro: “Não me vitimizo” - Marcos Alves / Agência O Globo
A
conversa começa cedo no grupo de WhatsApp “Bolsonaro 2018”. Entre 5 e 7 horas
da manhã, piscam as primeiras mensagens, que envolvem pedidos de engajamento na
campanha eleitoral, entrevistas de Bolsonaro e piadas sobre a esquerda para
relaxar. “Precisamos de 10 mil voluntários. Aliste-se no Exército que mais
cresce no Brasil. Junte-se ao time de Jair Bolsonaro e nos ajude a fazer de
nosso país uma nação mais patriota, honesta e digna”, diz uma delas. Criado em
julho de 2017 pelo empresário e pecuarista Jorge Izar, até a última sexta-feira
de junho o grupo unia 75 pessoas no Pará, entre empresários e admiradores do
candidato do PSL à Presidência da República.
Izar
é o coordenador nacional da estratégia de difundir propostas do candidato por
meio do aplicativo. O grupo é um dos cerca de 160 que, segundo ele, existem no
estado. A ideia é que, em cada cidade do país, um multiplicador crie novos
grupos digitais para dar maior visibilidade aos projetos do pré-candidato — e
que isso possa se reverter em votos. É via WhatsApp que são marcados eventos de
distribuição de adesivos — os “adesivaços” —, atos de apoio e carreatas.
Em
Marabá, no sudoeste paraense, o Dia de São João foi de adesivaço. O principal
chamariz nas mensagens do grupo digital era a presença de um Bolsonaro
inflável, uma versão à direita do Pixuleco, o boneco que caracterizava o
ex-presidente Lula como presidiário. “Mais de 12 metros de pura opressão”,
dizia a mensagem em referência ao Bolsonaro de plástico. Para o próximo ato,
marcado para este mês, Gildo Filho, um voluntário ligado ao deputado federal
Éder Mauro (PSL-PA) e que se apresenta no grupo sob o pseudônimo de Gildo
Bolsonaro, esforça-se para levar o candidato a Parauapebas, município que
abriga a maior mina de minério de ferro da Vale. Começou até uma vaquinha,
divulgando número de três contas bancárias, para financiar a viagem.
Bolsonaro
tem no boca a boca digital sua principal ferramenta de apoio. “Chegou a hora
decisiva!! O capitão Bolsonaro vai precisar da maioria no Congresso e você poderá
fazer isso acontecer apoiando não apenas o capitão, mas apoiando inteiramente o
partido PSL. E convidamos você para voluntariamente lutarmos por nossos
candidatos PSL no Pará. Entre em contato conosco e seja um soldado que poderá
mudar nosso Brasil.” Em geral, quem cuida de dispersar mensagens assim são
pequenos e médios empresários urbanos e empresários do agronegócio, que já se
conheciam de outras mobilizações. Assim como Bolsonaro, Izar é militar da
reserva, originário da Academia Militar das Agulhas Negras — instituição de
ensino superior de formação de oficiais do Exército instalada em Resende, Rio
de Janeiro. Com negócios no campo e na cidade, é dono de fazendas e da
Engesonda, empresa de geotecnia em São Paulo. Ele foi um dos coordenadores do grupo
Vem pra Rua, criado em 2014 para atrair pessoas insatisfeitas com a corrupção e
com o governo do PT.
A
experiência com a propagação das ideias por redes sociais fez com que Izar se
engajasse também na campanha, divulgando a candidatura entre empresários. “O
primeiro grupo foi criado em Dourados, em Mato Grosso do Sul. Em pouco tempo
chegou a 300 caras. Agora temos um grupo por estado, que se desdobra em vários
outros”, afirmou. “Mantenho contato direto apenas com os coordenadores
estaduais. São apenas dois por estado, para poder acompanhar o que sai. Mais do
que isso seria impossível de administrar.” O formato dos grupos não permite um
controle de quantos são e onde estão esses multiplicadores, mas Izar disse ter
certeza de que nenhum estado está descoberto. Em Goiás, os bolsonaristas
estimam que sejam 200 células ativas; no Ceará seriam pelo menos 120 os grupos
que replicam elogios e mensagens a favor do candidato.
A
gênese da mobilização não está em Bolsonaro em si. A rede já existia, como
mostra o caso de Izar. A maioria dos participantes já mantinha contato, seja
por meio do Vem pra Rua, seja por meio de outros movimentos ou mobilizações que
têm em comum uma pauta que vai além de interesses comerciais. No passado
recente, essa turma se afunilou em torno dos protestos contra o governo
petista, em virtude das descobertas da Operação Lava Jato e, em seguida, em
torno do impeachment de Dilma Rousseff. Quando Bolsonaro cresceu no cenário
político, eles o abraçaram.
Dono
de fazendas na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, e na região
Centro-Oeste, Luiz Antonio Nabhan Garcia, silvicultor e pecuarista, preside a
União Democrática Ruralista (UDR) e tem um histórico de militância na direita e
contra o PT. Desde 2013 é um fiel ativista nas redes sociais depois de integrar
as fileiras do Vem pra Rua. Ele afirmou que “mais de 90%” dos produtores rurais
apoiam o pré-candidato e não se sentem representados pela enorme bancada
ruralista no Congresso Nacional.
“Temos
uma bancada que finge nos representar, mas legisla em causa própria”, disse
Nabhan Garcia. Ele atribuiu a adesão de seus pares à candidatura de Bolsonaro
pela defesa que o pré-candidato faz do respeito à propriedade privada e da
redução do que chama de favorecimento do governo ao setor especulativo — ou
seja, os bancos —, em detrimento, segundo Garcia, dos que de fato produzem no
Brasil. Fazendeiro em Redenção, no sul do Pará, Luciano Guedes, participante do
“Bolsonaro 2018”, confia que, se eleito, o deputado vai rever a extensão de
terras delegadas a reservas indígenas. As reservas ocupam hoje 12,5% do
território nacional.
O advogado Victor Metta disse agradecer a Deus pelo
ressurgimento da direita no Brasil nos anos 2000 - Marcos Alves /
Agência O Globo
Cada
um enxerga em Bolsonaro o candidato capaz de realizar o que lhe interessa.
Figura dura, de respostas curtas e grossas, o pré-candidato do PSL representa
para esse grupo de empresários uma saída. Todos acreditam na meia dúzia de
diretrizes que compõem sua carta de intenções em favor do setor privado. Em
linhas gerais, apesar do histórico intervencionista, essa turma espera de
Bolsonaro a execução de uma agenda liberal, de redução do tamanho do Estado, da
quantidade de ministérios, do peso dos impostos e da burocracia.
João
Luiz Frota, de 27 anos, é dono da JF Construções e integrante do Movimento
Endireita Ceará, que faz encontros semanais. Filiou-se ao PSL e já sonha com o
economista Paulo Guedes — que se apresenta como conselheiro econômico de
Bolsonaro — como ministro da Fazenda. “Bolsonaro vai indicar pessoas honestas e
com qualidade técnica. Paulo Guedes já é um dos anunciados. É um caminho bem
traçado”, declarou. Como ele, vários creem que, apesar da escassez de ideias
econômicas, Bolsonaro executará as ideias defendidas pelo economista.
Numa
manhã de terça-feira em junho, seis empresários se agruparam em torno de uma
mesa de reuniões de um escritório de advocacia em São Paulo. No centro da mesa,
um boneco de plástico, de uns 20 centímetros, do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, que balançava a cabeça. “Bolsonaro é a última proposta que sobrou
na sala. Todas as alternativas de poder já foram testadas: MDB, PSDB, PT. Trump
não seria possível sem o Barack Obama. E Bolsonaro, sem Lula e Dilma”, disse
Victor Metta. Discípulo de Olavo de Carvalho, o escritor e filósofo admirado
por parte dos conservadores, o advogado foi além das mensagens pelo WhatsApp e hoje
é tesoureiro do PSL.
O
mais velho do grupo é Nabhan Garcia, com 60 anos. Celso Rocha, de 41 anos, já
foi vereador em Indaiatuba, região de Campinas, e passou por partidos como PDT,
PPS e PSDB. Sem poder para aumentar ou reduzir despesas no município,
desencantou-se e hoje é dono de uma distribuidora de picolés. Letícia Catelani,
de 30 anos, é dona de uma importadora de equipamentos de alta tecnologia para
indústria de base. Rodrigo Morais, de 35 anos, possui um cursinho para alunos
de baixa renda. Otávio Fakhoury, de 45 anos, já atuou no mercado financeiro e
hoje administra um fundo próprio, que investe em imóveis.
Além
da agenda econômica que acreditam que ele defenderá, eles veem Bolsonaro como
um símbolo de combate à agenda social globalista — a que vem de fora e coloca
na sala, segundo eles, desconfortáveis debates, como identidade de gênero,
homofobia, xenofobia e afins. Única mulher do grupo, Catelani disse não se
sentir ofendida por declarações machistas ou sexistas de Bolsonaro. “Não me
vitimizo. Acredito na meritocracia. E a questão é biológica: uma mulher não
pode trabalhar tanto quanto um homem. Não se pode negar a natureza.”
Catelani
declarou não ter tido ajuda do pai, empresário do ramo de metalurgia, para
abrir sua empresa aos 18 anos. Praticante de tiro, ela aparece em seu perfil no
Instagram, com 18 mil seguidores, empunhando armas, pilotando um helicóptero e
criticando o que chama de “feminazis”. “Um beijo para as feministas que só
sabem reclamar, nunca construíram nada na vida e se escondem nas desculpas de
um discurso vitimista.”
Na
avaliação do advogado Metta, a direita no Brasil sumiu entre as décadas de 1960
e 1970 e ressurgiu nos anos 2000. “Graças a Deus, o movimento foi se ampliando,
se espalhando”, disse. Na visão dele e do colega Otávio Fakhoury, os conservadores
evoluíram, assim como Bolsonaro — o que os faz acreditar que os postulados de
Paulo Guedes vão prevalecer. “Hoje temos um mercado de capitais livre e um
Estado grande, que põe a mão em tudo e não desenvolve nada”, afirmou Fakhoury.
“O mundo evoluiu. Nós da UDR não defendemos essa coisa doentia de governo
militar. Qual país avançado é governado por militar? Bolsonaro hoje é muito
mais congressista do que militar”, disse Nabhan Garcia.
Dono de uma construtora, João Luiz Frota acredita
que Bolsonaro fará um governo com “pessoas honestas e com qualidade técnica”,
como o economista Paulo Guedes - JARBAS OLIVEIRA (85) 99988.6898 /
Agência O Globo
Dono
de um cursinho comunitário chamado Saquarema — nome inspirado na alcunha dos
membros do Partido Conservador durante o Segundo Reinado (1840- 1889) —,
Rodrigo Morais já deu curso de formação de professores em Moçambique, por meio
de uma ONG dinamarquesa, morou nos Estados Unidos e deu aulas na rede Objetivo.
Simpatiza com a ideia de Bolsonaro de “armar as pessoas de bem”, cujas casas
são invadidas por criminosos. “A segurança pública é um problema individual.
Primeiro preciso defender minha vida.”
Se
é ídolo entre pequenos e médios empresários, Bolsonaro tem claras dificuldades
com o topo do PIB nacional. Já fez esforços para melhor sua aceitação nessa
parcela do empresariado. Esteve, no mês passado, na Federação das Indústrias do
Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), em Porto Alegre. Em fevereiro, vendeu seu
peixe numa palestra no banco BTG Pactual, em São Paulo, para 2.500 investidores
e empresários de 140 empresas. A plateia o questionou sobre seu discurso
intervencionista na economia e seu desconhecimento sobre o tema. Bolsonaro
saiu-se com uma resposta ambígua: mostrou-se liberal ao defender a reforma da
Previdência, mas criticou a presença da China em negócios de mineração no
Brasil.
Na
última terça-feira, também em São Paulo, Bolsonaro se reuniu com um grupo de empresários
a convite de Abílio Diniz. Entre outros nomes de peso, estavam presentes David
Feffer, do grupo Suzano, Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, e José
Roberto Ermírio de Moraes, membro do conselho do grupo Votorantim. O
pré-candidato afirmou que todos ali teriam mais preparo do que ele para assumir
a Presidência da República, mas que ele era o único com condição de chegar ao
Planalto.
Às
20 horas do mesmo, três vans se enfileiraram na porta do restaurante Oliver, no
Lago Sul, em Brasília, de onde desembarcaram 40 passageiros. O grupo integrava
um dos comboios que levaram cerca de 200 empresários ao convescote organizado
pela Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e pelas outras
federações do Sudeste.
Com
taças cheias de vinho argentino Alamos ou de espumante nacional nas mãos para
começar a noite, que seguiu ao som de um cantor apresentando sucessos de
Djavan, eles especulavam como seria o dia seguinte, quando ouviriam as
propostas de Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede),
Henrique Meirelles (MDB), Ciro Gomes (PDT) e Alvaro Dias (Podemos) no evento
anual da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Sentado
no bar e com uma taça de espumante Garibaldi na mão, o empresário baiano
Alberto Coelho despontava como um dos entusiastas de Jair Bolsonaro. “Ele é o
único com coragem para enfrentar esse inferno astral que estamos vivendo, tem
bom senso e não possui compromisso com filosofia política, nada disso. E mais,
tem uma formação militar típica de que este país precisa, de ordem para fazer
as coisas.”
Dono
do Curtume Moderno S.A., Coelho tem como principal queixa a atuação do Ibama e
de outros órgãos do meio ambiente que “travam a economia do Estado”. “O IBGE
descobriu uma Mata Atlântica a 1.000 quilômetros da praia. Na Floresta
Amazônica você pode desmatar 20%, agora dessa floresta inventaram que não pode
arrancar nenhuma folha, nada! A gente podia estar produzindo muito mais
algodão, mais tudo. Só Bolsonaro terá coragem de combater isso.”
A
poucos metros dali, em uma das maiores mesas do restaurante, tomada por
empresários do Rio de Janeiro, o presidente do Sindicato das Indústrias de
Artefatos de Borracha do Rio de Janeiro (Sindborj), Marcello Tournillon, também
exaltava o presidenciável entre mordidas em um petit gateau e goladas de vinho.
“Bolsonaro tem posições claras e um indicador de transparência que a gente não
vê mais por aí. Você joga uma pergunta e ele já responde, fala o que pensa, não
enrola. Os empresários estão descrentes da política.” Questionado se aquele era
um voto de protesto, negou: “É de discordância do que está acontecendo. Se o
senhor Alckmin apresentasse uma mudança..., mas até agora nada”.
As
críticas ao ex-governador paulista eram entoadas por outro grupo de
empresários, desta vez do Triângulo Mineiro. “Olha, essa falta de estabilidade
pede alguém do centro, mas o nosso centro tem um vácuo que se chama Alckmin”,
criticou Roberto Velludo, presidente do Sindicato da Indústria da Construção
Civil de Uberaba, que foi prontamente interrompido. “O que é isso, meu amigo?
Bolsonaro está no centro. Ele é centro-direita-esquerda, e meu voto é dele”,
disse o executivo Marcelo Ribeiro. Provocado a explicar o que seria
“centro-direita-esquerda”, limitou-se a dizer que esse era Bolsonaro e seu voto
estava “decidido”. Alguns goles de cerveja depois, Velludo rebateu o colega e
definiu que João Doria, candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB e nome que
está fora da corrida presidencial, seria o melhor para suceder a Michel Temer.
Em
uma mesa-redonda, com uísque Johnnie Walker Red Label nos copos, os presidentes
das federações estaduais da indústria Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (Firjan),
Leonardo Castro (Findes), José Ricardo Roriz (Fiesp) e Flavio Roscói (Fiemg)
evitaram opinar sobre o apoio dos presentes a Bolsonaro. “Ainda temos de ver as
propostas dele e dos demais, entende? O principal é comunicar a importância do
empresário para a sociedade”, desconversou Vieira, cicerone do encontro.
Único
político no jantar e com lugar cativo na mesa dos presidentes das federações, o
senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) reconheceu que o clima pró-Bolsonaro dominava
o grupo. “Eles estão no momento de flertar com a coisa da autoridade, isso está
claro.” Filiado ao partido de Alckmin, o senador aposta na mudança de cenário,
apesar de não apontar motivos para isso: “Não sei se vai prevalecer. Tem que
acompanhar, não é?”.
Na
manhã da quarta-feira, no evento na CNI, Bolsonaro fez um pedido aos
empresários, que, segundo ele, erraram ao votar em candidatos que levaram o
país à situação atual. “Os senhores podem errar comigo. Com outros, já erraram.
Com
Bela Megale
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